A controversa iniciativa de escanear comunicações privadas na União Europeia — denominada “Controle de bate-papo” pelos críticos — está de volta à pauta e está reacendendo um debate feroz sobre direitos de privacidade. A Hungria, agora no comando do Conselho da Europa, reviveu a proposta que visa escanear mensagens de cidadãos na luta contra material de abuso sexual infantil (CSAM). Mas o plano, que pode se tornar lei até o final do mês, gerou intensa oposição de defensores da privacidade, empresas de tecnologia e alguns estados-membros da UE.
Depois que a Bélgica apresentou uma nova versão da proposta em junho, ela foi arquivada devido à forte reação negativa, mas agora está ganhando força novamente. Com uma nova votação se aproximando, as apostas não poderiam ser maiores. Serviços de mensagens criptografadas como Signal e Threema já estão alertando que deixarão a UE completamente em vez de quebrar sua promessa de privacidade aos usuários.
Isso cria um conflito fundamental: a UE pode prosseguir com seu objetivo de proteger crianças online sem atropelar os direitos de privacidade de seus cidadãos?
Um novo impulso para o controle do bate-papo
O último rascunho do Chat Control, vazado em 9 de setembro por Políticodescreve como a UE quer que as empresas de tecnologia lidem com a detecção de conteúdo ilegal. Essencialmente, os provedores de serviços — que vão de aplicativos de mensagens como o WhatsApp a provedores de e-mail — seriam obrigados a escanear os chats dos usuários em busca de sinais de CSAM.
O problema? Isso provavelmente exigiria quebrar a criptografia de ponta a ponta, o próprio mecanismo que garante que conversas privadas permaneçam privadas.
A criptografia, frequentemente vista como a última linha de defesa na privacidade digital, está sob ameaça direta desta proposta. Os críticos argumentam que escanear comunicações, mesmo sob o pretexto de proteger crianças, criaria um precedente perigoso. Se as empresas são forçadas a quebrar a criptografia para um propósito, o que impede os governos de exigir acesso por outros motivos? Uma vez que a porta está aberta, fica mais difícil fechá-la.
Embora os provedores pudessem tecnicamente escolher se implementavam IA para detectar conteúdo suspeito, o fato é que a criptografia seria comprometida de qualquer maneira. As ferramentas usadas para garantir a privacidade entre o remetente e o destinatário não podiam mais ser garantidas.
Estados-membros divididos
À medida que a UE se aproxima de uma decisão, o bloco continua dividido sobre a questão. Os Estados-Membros têm até 23 de Setembro para declarar oficialmente suas posições e, até agora, os números sugerem que a proposta tem apoio substancial. De acordo com dados do Partido Pirata Europeu, pelo menos 19 países, incluindo Bélgica, Hungria e Suécia, estão apoiando o plano. Enquanto isso, países como Alemanha e Polônia se opuseram abertamente, com ativistas de direitos digitais em todo o continente reunindo cidadãos para reagir antes que seja tarde demais.
Patrick Breyer, um proeminente ativista dos direitos digitais e membro do Partido Pirata da Alemanha, tem sido uma das vozes mais altas na oposição. Ele alerta que a proposta é um ataque direto aos direitos de privacidade e pediu aos cidadãos que contatem seus representantes, esperando influenciar a votação. “Temos duas semanas para fazer nossos governos rejeitarem o controle de bate-papo e pedirem uma abordagem nova, verdadeiramente eficaz e respeitosa aos direitos para manter nossas crianças mais seguras online”, ele enfatizou, destacando que uma abordagem mais equilibrada ainda poderia atingir os objetivos desejados sem sacrificar a privacidade.
Empresas de tecnologia em revolta
Talvez a resistência mais gritante venha das próprias empresas de tecnologia. As principais plataformas de mensagens criptografadas traçaram uma linha na areia, sinalizando que não comprometerão seus padrões de segurança. O Signal, em particular, tem criticado veementemente qualquer tentativa de minar a criptografia. Quando o Reino Unido considerou uma legislação semelhante em seu Projeto de Lei de Segurança Online, o Signal ameaçou encerrar as operações no país se ela se tornasse lei. Sua postura permanece firme diante da nova proposta da UE.
Meredith Whittaker, presidente da Signal Foundation, foi clara sobre sua desaprovação da proposta do Chat Control. Ela rejeitou a chamada “moderação de upload”, que sugere escanear mensagens antes que a criptografia ocorra, como nada mais do que uma porta dos fundos para vigilância. “Seja chamando de porta dos fundos, porta da frente ou ‘moderação de upload’, ela enfraquece a criptografia e cria vulnerabilidades significativas”, ela tuitou em resposta à proposta revisada da UE.
Declaração oficial: a nova proposta de controles de bate-papo da UE para varredura em massa é a mesma vigilância de sempre com uma nova marca.
Quer você chame isso de backdoor, front door ou “moderação de upload”, ele prejudica a criptografia e cria vulnerabilidades significativashttps://t.co/g0xNNKqquA foto.twitter.com/3L1hqbBRgq
— Meredith Whittaker (@mer__edith) 17 de junho de 2024
A implicação é clara: se a UE exigir a digitalização de CSAM, serviços como SinalThreema e provedores de e-mail criptografados como Tutanota provavelmente sairão do mercado europeu, deixando milhões de usuários buscando alternativas.
Crédito da imagem em destaque: Christian Lue/Unsplash